Parkour, Cinema e Grindcore!
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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O Polimento do movimento

Muitos praticantes atentam-se aos movimentos mais apelativos ou arriscados. Big jumps, kongs duplos, saltos mortais de grandes alturas. E mesmo com pouco tempo de treino, até conseguem executar esse estilo com certa habilidade. No entanto, quando esse processo ocorre de forma muito rápida, alguns traceurs mais experientes identificam a falta de um elemento fundamental nesses praticantes. Aqui na Inglaterra eles chamam isso de "touch", que traduz-se "toque", mas vou usar o termo tato. No meu entender esse é apenas um dos elementos de uma categoria de desenvolvimento do traceur que eu chamo de polimento.

Recentemente, depois que Sebastian Foucan disponibilizou o conteúdo do canal freerunning.tv para o youtube, assisti à um de seus vídeos em que ele está treinando em Elephant & Castle, um pico bem famoso aqui de Londres. Nesse vídeo, Foucan executa, ou tenta executar, um SDC+precisão de um muro para o outro. Ele precisou de várias tentativas até conseguir acertar o movimento. E isso me pareceu um pouco estranho. Na minha primeira semana treinando na Europa com a Parkour Generations eu fui até esse mesmo lugar e sem esforço fiz o mesmo salto-precisão. Seb Foucan está no jogo há bastante tempo e eu, com minhas expectativas, esperava que ele não enfrentasse dificuldade alguma para completar essa tarefa. Isso ficou em meus pensamentos por uns dias até que conversei um pouco com a Julie Angel e Stephane Vigroux sobre esse movimento feito por Foucan naquele ponto especificamente. Eles evidenciaram um ponto que era lógico pra mim mas que muitas vezes passa despercebido para os recém adeptos à disciplina.




Desde o início da estruturação do Parkour, com aquele primeiro grupo a o qual me referi no meu post anterior no site do PKMAX Parkour, é sabido o quanto aqueles caras testavam o limite de suas capacidades. Diferentemente deles, Foucan tinha muito medo de altura e travava uma luta interior para controlar sua fobia. Uma característica que muitos praticantes hoje no mundo inteiro podem se identificar. Atualmente empregamos algumas técnicas durante os treinos para lidar com esse medo e devemos grande parte disso àquela geração. Em vários momentos durante os seus treinos, Foucan deixava de acompanhar os amigos nos desafios em alturas e aprimorava por horas seu estilo em ground level. Nessa conversa com Julie ela me disse que, após documentar vários traceurs de várias localidades com diferentes histórias, Foucan, apesar de não apresentar esse perfil de movimentos incríveis com saltos gigantes e arriscados, é um dos caras que possui o melhor "touch" dentre os traceurs da primeira geração, em que encontra-se David Belle, Yahn Hnautra, Chau-Belle Dihn entre outros.
O tato é uma característica que só é alcançada com o tempo. Para isso são dedicados anos de treinos intensivos e conscientes. Essa atenção precisa estar engatilhada a todo momento. Retornando ao início do post, essa atenção é o elemento fundamental ausente nos praticantes menos cuidadosos que "se jogam". Geralmente, vejo esses praticantes fazendo uma precisão para um muro, longe, em seu limite, um salto perfeito e no entanto, ao descer do muro, escuto o landing mais horroroso, como se um saco de entulho tivesse caído do alto de um prédio. Essa falta de atenção, capricho e polimento é que diferencia um traceur legítimo de um praticante com 3, 4 anos de prática. De que adianta todos os movimentos impressionantes se falta cuidado nas coisas mais simples. E isso reflete diretamente nos movimentos grandes que chamam mais atenção.
Michael Jordan, que foi um dos maiores atletas do mundo, não apenas um jogador de basquete, dizia uma coisa que eu uso sempre: "o jogo pode mudar, mas os fundamentos serão sempre os mesmos". Qualquer apreciador de qualquer atividade, esportiva ou não, pode identificar isso em seu objeto. No caso do basquete, o esporte que já era muito físico na época de Jordan, hoje é ainda mais forte e cheio da marra trazida do hip-hop atual, que também é muito diferente com seus bling-blings do que o rap político-social dos início dos anos 90. Na nossa disciplina identificamos a mesma mudança de standarts entre o Parkour "puro" e o exibicionismo atual com a adoção fashionista do estilo gringo mainstream. Nesse momentos sempre retorno à citação de Jordan. De que vale todas as acrobacias se o landing é uma porcaria?

Todo o discurso da brutalidade tem um objetivo além de o de ficar mais forte. Claro, o aumento da força é a principal finalidade numa primeira etapa, mas só existe o desejo de fortalecer-se para alcançar o próximo nível técnico. Quando sobra-nos técnica é o momento de treinar força e vice-versa. O equilíbrio entre esses dois pilares pode não ser alcançado jamais, esse é um caminho longo mesmo. Por isso, devemos sempre estar focados em masterizar todo movimento, seja o take-off, o salto em si, a precisão do movimento na aterrissagem e posicionamento das mãos, no landing e no que mais for necessário.
Foucan é geralmente negligenciado pelos praticantes brasileiros que direcionam sua admiração somente ao David Belle. Ambos são parte da história do Parkour. Eles treinaram arduamente por anos para criarem a disciplina. E minha reflexão sobre o esforço de Foucan para realizar esse salto me ensinou uma outra lição bem importante. Meu desapontamento nasceu pela minhas expectativas. E minhas expectativas surgiram através do meu julgamento. Eu julguei a capacidade de Foucan através das minhas expectativas. "Afinal", pensei, "esse cara tem uns 20 anos de Parkour, esse salto é moleza". Eu já li, assisti e escutei várias histórias do Foucan, mas eu não o conheço. Não sei pelo que ele passa ou passou. Não sei se ele estava cansado naquele dia, ou de saco cheio, ou sem ritmo, ou se ele é ruim mesmo.



Moral da história, se existe alguma: não projete suas expectativas no próximo, não julgue o outro pelas suas capacidades, habilidades, experiência e anos de prática. Cuide do seu treino. Aprenda pela observação, pela prática e pela humildade.


Bons treinos.
Bruno Rachacuca

7 Impressões:

Talles disse...

Muito BOM! gostei da dica :)

abraços

Duddu Rocha disse...

Eu espero do fundo do meu coração que a falta de comentários nessa postagem não seja por falta de leitura também. Pois acredito que foi um dos textos mais bem escritos, informativo e sincero que li nos últimos tempos. Coincidentemente, me vi em certos pontos principalmente quando você falou sobre o medo de altura do Foucan e no questionamento sobre “de que adianta fazer o duplo twist se a aterrisagem é desastrosa?”. Vejo com freqüência que a síndrome da capa do superman é verdade dentro do Parkour. Alguns praticantes ligam o “modo tracer” ao sair de casa pra treinar e desligam quando o treino acaba. Mas muito pior que isso, são os que ligam antes de fazer uma movimentação e desligam antes mesmo de concluí-la. Chega a ser hilário de tão assustador.

Super ultra mega postagem Racha! E se você parar de postar diretamente da gringa eu vou atirar uma pedra daqui do nordeste que vai achar sua cabeça...

sdbjo

Christian disse...

uma pedra do nordeste que vai rachar sua cuca.. é isso duddu?

Thiago disse...

Muito bom..
Foucan negão espadaudo 4ever! Ariariaria!1!

AnaLu disse...

Fantástica! Outra visão trazendo de volta o Parkour e sua essência.

Gabriel Souza disse...

Muito bom, abriu novos horizontes pra mim...pois treino a 5 anos o parkour, e nunca me machuquei seriamente, maiz também não sou nenhum super, e agora percebo que minha atenção não foi em vão e nem nunca vai ser, vou sempre ta buscando evoluir mais nunca me distanciar dos fundamentos. Bela postagem.

Anônimo disse...

olha, eu faço parkour, e esse é o melhor texto, que já li, muitos traceurs deviam ler isso tambem, para terem uma ideia de que não é só "dar pulinhos" como alguns dizem, parabens pelo texto